A herança judeo-cristã
O cristianismo marca a divisão mais profunda da história da filosofia, mas seria um erro crer que o cristianismo é uma filosofia; é uma religião, coisa muito distinta. Nem sequer pode-se falar com rigor de filosofia cristã, se o adjetivo “cristã” tiver de definir um caráter de filosofia. Unicamente podemos chamar de filosofia cristã a filosofia dos cristãos enquanto tais. Isto é, a filosofia que está determinada pela situação cristã de que a filosofia parte. Nesse sentido, o cristianismo tem um papel decisivo na historia da metafísica porque modificou essencialmente os supostos sobre os quais se move o ser humano e, portanto, a situação a partir da qual tem que filosofar.
O cristianismo traz uma ideia totalmente nova que dá seu sentido à existência do mundo e do ser humano: a criação. “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” Essa diferença radical separa as duas grandes etapas da filosofia. O problema é posto de dois modos essencialmente distinto. Assim como há dois mundos, este mundo e o outro, na vida do cristão vai haver dois sentidos distintos da palavra ser, se é que pode usá-la em ambos os casos: o ser de Deus e o ser do mundo. O conceito que permite interpretar o ser do mundo a partir de Deus é o de criação. Temos, de um lado, deus, o verdadeiro ser criador, de outro lado, a criatura cujo ser é recebido. A verdade religiosa da criação é que obriga a interpretar esse ser e levanta o problema filosófico do ser criador e do ser criado, de Deus e da criatura.
Desse modo, o cristianismo, que não é filosofia, afeta-a profundamente, e essa filosofia que nasce da situação radical do homem cristão é a que pode ser chamada, nesse sentido concreto, “filosofia cristã”. Não se trata, portanto, de uma consagração pelo cristianismo de nenhuma filosofia, nem da adoção da religião cristão por nenhuma delas, mas a filosofia que emerge da questão capital em que o cristianismo se encontra: a de sua própria realidade diante de Deus, num