A emergência de um sistema dualista
Maurílio Antonio Dias
A literatura de cordel é a poesia popular que se torna texto tipográfico, por isso o folheto de cordel, enquanto suporte, também está submetido, a partir de sua própria materialidade, à dinâmica do processo editorial.
Escreveu Moxon (apud Chartier, 1994) que, entre o gênio criativo do autor e a aptidão do leitor, “uma multiplicidade de operações define o processo de publicação como um processo colaborativo, no qual a materialidade do texto e a textualidade do objeto não podem ser separadas”. Mediante o suporte, foi possibilitado ao poeta popular transpor os seus versos do círculo de seus ouvintes imediatos para a leitura do cordel pelas gerações pósteras. Sendo a literatura, na Idade Moderna e em comunidades letradas, antes de qualquer coisa, um fenômeno gráfico, isto é, de imprensa, foi mediante a impressão dos folhetos, que eram exibidos nas feiras livres ou cantados pelos poetas populares, que tais produtos se tornaram objetos de compra, veículo de comunicação de massa e suporte mantenedor de uma tradição oral que, com as devidas modificações, torna-se registrada, documentada.
O folheto é a poesia popular mediatizada pelo suporte impresso no qual é dado à leitura (Chartier, 1994).
Na medida em que o gesto poético é também um gesto de comunicação por intermédio de um impresso, a literatura de cordel supõe o folheto e, ao mesmo tempo, é a sua razão de ser. Diferentemente da cantoria, imediata e performática, o cordel é antecedido por um texto original manuscrito ou datilografado que, por sua vez, passará pelo olhar editorial e pelas mãos do tipógrafo que o tornará impresso. Essa clivagem é a marca inconfundível da passagem da poesia popular oral para a escrita, da passagem do ofício de cantador para o de poeta de bancada. É a passagem da voz para o impresso:
Façam o que fizerem, os autores não escrevem livros. Os livros não são de modo nenhum escritos. São