a desconstrução do preconceito linguístico

10309 palavras 42 páginas
III
A desconstrução do preconceito lingüístico
1. Reconhecimento da crise
De que modo poderemos romper o círculo vicioso do preconceito lingüístico? Como conseguiremos escapar do igapó estagnado e mergulhar nas águas dinâmicas e vivificantes do grande rio da língua?
Uma coisa não podemos deixar de reconhecer: existe atualmente uma crise no ensino da língua portuguesa. Muitos professores, alertados em debates e conferências ou pela leitura de bons textos científicos, já não recorrem tão exclusivamente à gramática normativa como única fonte de explicação para os fenômenos lingüísticos. Por outro lado, sentem falta de outros instrumentos didáticos que possam, senão substituir, ao menos complementar criticamente os compêndios gramaticais tradicionais. Muita gente acredita e defende que é a norma culta que deve constituir o objeto de ensino/aprendizagem em sala de aula. Mas o que é e onde está essa norma culta?
Não é difícil perceber que a norma culta — por diversas razões de ordem política, econômica, social, cultural — é algo reservado a poucas pessoas no Brasil. Vimos isso no Mito n° 1 e no nº 8. É o mesmo que acontece com a alimentação, [pg. 105] a saúde, a educação, a habitação, o transporte, o acesso às novas tecnologias etc. Uns poucos privilegiados se locomovem em carros importados, enquanto a grande maioria usa um transporte público deficiente, precário e, se não bastasse, caro demais — conheço pessoas humildes que vão a pé para o trabalho, despertando no meio da madrugada e caminhando durante horas da periferia até os bairros centrais, porque seu salário não lhes permite tomar ônibus, trem nem metrô.
Podemos identificar três problemas básicos a esse respeito.
Primeiro, e mais óbvio, a quantidade injustificável de analfabetos que existe neste país. Estatísticas oficiais, do IBGE, falam de 18 a 20 milhões de analfabetos com mais de 15 anos de idade — duas vezes a população de Portugal! Some-se a isso os milhões de crianças em idade escolar que não

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