A causa e a autoridade (porque direito não é ciência)
Denis Borges Barbosa (1980)
Decifrar e Agir
“Oh, as leis são belíssimas” (1). José Dias tinha razão de adotar a escolha de Bentinho, pois o Direito, “as leis”, eram a passagem certa para a política, a fama, o poder. Como o Sergeant of the Lawe, de Chaucer, José Dias podia prever um Bentinho bacharel, o qual, “for his science and for his height renoun of fees and robes hadde he many oon” (2).
Mas o que eram “as leis” de José Dias? Eram as Ordenações do Reino, o Direito Comercial e Leis de Marinha, de Cayru, mas também era o Foro, a Câmara, o escritório de advocacia, a cátedra em São Paulo ou Recife; das “leis” viviam desde o juiz de paz de Martins Pena até o meirinho Leonardo das Memórias de um Sargento de Milícias; e doutrinavam sobre as “leis” o Conselheiro Ribas, Teixeira de Freitas e Trigo de Loureiro. Em suma, era o Direito positivo, a doutrina e a prática profissional, que na época incluía da advocacia e da magistratura à administração e à política, do magistério e do trabalho doutrinário às profissões auxiliares.
Este campo tão díspar constitui-se num objeto impossível para o estudioso. O conhecimento, ainda que meramente descritivo, desta noção de senso comum, exigiria uma ciência vastíssima, a qual, como o mapa da china de que fala Borges, teria as mesmas dimensões do território reproduzido, e seria de uma inutilidade proporcional.
Felizmente, o próprio objeto se particulariza, subdivide-se, autonomiza-se em subsistemas que vão perdendo a amorfia e ganhando em clareza conceitual. Os teóricos do Direito, operando no interior deste fenômeno social complexo do qual se fala, estabeleceram eles próprios as distinções que, por sua origem, têm as vantagens da minúcia e da sensibilidade. Vantagens, porém, contrabalançadas pela excessiva proximidade do analista e de seu objeto; o sábio é tão vizinho de sua sapiência que um e outro se confundem, e o conhecimento se reduz a quase um solilóquio.