A aids em suas múltiplas dimensões
1. Impacto e caracterização da doença
Fenômeno recente, o impacto da aids sobre práticas, concepções e valores contemporâneos vem convocando a contribuição de diferentes saberes para a sua compreensão, ainda que sempre condenados à parcialidade e à incompletude.[1] As extensas e intensas tensões que acompanham a vivência da aids parecem reproduzir momentos de irracionalidade que já se supunham definitivamente extirpados da nossa experiência. Renascem medos, ódios, preconceitos, rechaços e incertezas que já eram consideradas reações superadas no âmbito do cientificismo vigente.
1.1 Aparecimento e identificação da aids
Conhecido há alguns anos, somente a partir de meados da década de 1970 é que o HIV teve disseminação significativa no mundo.[2] Após receber notícias a respeito da morte de jovens homossexuais por pneumocistose, forma rara e particularmente grave de penumonia, ocorridas em Los Angeles, bem como de homossexuais masculinos atingidos pelo Sarcoma de Kaposi, em Nova York, o Center for Disease Control (CDC)[3] criou um grupo de trabalho encarregado de investigar a situação, em meados de 1981. Realizou-se, então, amplo levantamento, entre outubro de 1981 e dezembro do mesmo ano, passando-se a formular hipóteses sobre a doença, que começava a tomar aspectos epidêmicos.[4] Ao final de 1982, depois de começarem a ser constatados casos em hemofílicos, o CDC fixou o nome da doença como aids (Acquired Immuno Deficiency Syndrome).[5] Havia sido, pouco antes, descrito o primeiro caso de aids,[6] apesar de já naquela época se ter disseminado o vírus em pelo menos 20 países, atingindo a cerca de 100.000 pessoas.[7] Delineava-se o perfil da moléstia e suspeitava-se da sua relação com um vírus, embora sua origem precisa permanecesse desconhecida. A própria disputa pela primazia na identificação e isolamento do agente causador da aids constituiu matéria de intensa polêmica, envolvendo cientistas de