Xica da silva
Chica da Silva sem X
18/11/2003
Livro mostra que mito da escrava-rainha esconde hipocrisia da democracia racial brasileira
Esqueça tudo o que você acha que sabe sobre Xica da Silva. Começando, aliás, pelo nome dela: Chica, em verdade, Francisca da Silva, mulata, filha de negra e português, nascida entre 1731 e 1735 (data incerta) na região de mineração de diamantes do arraial do Tejuco, comprada e alforriada pelo contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, com quem viveu 16 anos e teve 13 filhos. A negra sensual que arrancava uivos do senhor português e horrorizava a sociedade é mito inventado no século 19 e reapropriado, de formas diversas por épocas diversas, cada uma interessada na sua visão.
Conhecer a Chica com "ch" é descobrir que a pretensa "democracia racial" do Brasil é um mito tão sem fundamento como o da própria escrava que foi rainha. "Chica freqüentava a elite branca da cidade e todas as irmandades brancas do Tejuco e, ao morrer, foi enterrada no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, privilégio dos brancos endinheirados. Isso tudo prova que ela era uma mulher que se portava de acordo com os padrões sociais e morais da época", argumenta a pesquisadora Júnia Ferreira Furtado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autora do recém-lançado Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes (Companhia das Letras, 400 pags., R$ 48,50), um estudo histórico sobre as relações de gênero e raça nas Minas Gerais do século 18 que se lê com prazer de romance.
Em contraponto com a mítica, Júnia mostra que Chica não foi caso sui generis, embora especial, em que uma mulher negra forra, em busca de ascensão social, se unia a um homem branco poderoso. E que, na contramão das histórias, Chica queria mesmo a inserção na elite da época, sem nenhum caráter libertário. A ex-escrava acabou proprietária de escravos e adotou os valores da elite para poder pertencer de alguma forma a ela. "Elas procuravam imitar hábitos e