Uma Rainha, uma performance e um ritual

UMA PERFORMANCE, UM RITUAL E UMA RAINHA

O calendário marca 31 de dezembro de 1933. Domingo, sob o crepúsculo vespertino a pacata terra da Imaculada Conceição urge em festa e as vielas ganham um movimento singular. Hoje é dia de conhecer a “Rainha do ano” da Irmandade dos Negros do Rosário, fundada em 1863 e composta por dois grupos de negros: Caçotes de Jardim do Seridó e Ouro Branco e pelos negros da Comunidade Quilombola da Boa Vista. Hoje, a filha de Antônio Francisco da Trindade, chefe do grupo dos Caçotes, entrará para a realeza. Inácia Maria da Conceição, contando com seus 18 janeiros se encontrará com seu rei defronte a Igreja Matriz e lá serão coroados pelos Reis Perpétuos e ovacionados com aplausos e elogios pela sociedade local. É a noite de encontro das figuras imperiais negras. Um tempo ancestral e numinoso atravessa o cotidiano e irriga o asfalto da modernidade, desenhado pelo Reinado que via performance, (re)memoram o circuito atlântico da África às Américas.
O Rei com seu paletó branco (cor da libertação) desde outrora usado por seus ancestrais, com seus séquitos saem da Casa do Rosário em busca de sua Rainha. Esta por sua vez, desde cedo prepara-se para a sua noite de estréia, tudo deve ser “perfeito”. Ornada com um fabuloso vestido branco todo trabalhado em bordados manuais, na casa de Mariinha de Seu Neco, anseia pelo encontro com seu Rei. Ao encontrarem-se fundam-se em um só. Os negros de pulo dançam com suas coreografias e tambores vibrantes e sincopados. Uma força telúrica dos antepassados emanam dos tambores sagrados. Cantam a força da divindade e celebram as majestades negras e, simultaneamente, cantam e dançam contra a opressão. Com sua coroa imponente, a neo Rainha configura-se como elo maior de mediação entre o povo, os ancestrais e as divindades.
Assim, Inácia Maria da Conceição, minha bisavó paterna, medrou-se na Irmandade dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó e durante 72 anos assumiu o posto de Rainha Perpétua, sendo por