Uma em duas
Renata Menasche Introdução
O esforço empreendido neste texto tem por objetivo apontar elementos para repensar um problema antigo a partir de um problema mais recente. O lugar do casamento nas estratégias de reprodução social camponesa foi já bastante estudado. Mas como o amor, que remete ao indivíduo, interfere no casamento, estratégia familiar? Ou, nas palavras de Viveiros de Castro & Araújo (1977:133), “como incorporar, uma vez admitida tal possibilidade (tendência visível nas teorias e discussões recentes), o componente afetivo e/ou individual na análise das relações sociais?”. Essa pergunta é parte de um conjunto de indagações que dizem respeito à relação entre o “nós” coletivo e o “eu” individual nas estratégias contemporâneas de reprodução social camponesa. Mas não pretendo aqui respondê-la. O objetivo deste trabalho é, tomando como inspiração para a análise a história narrada em O Quatrilho1, levantar pistas para essa reflexão.
I parte: a história
Na vida como no jogo
Ambientado na região colonial gaúcha de Caxias do Sul, em fins do século XIX, O Quatrilho é uma história de troca de casais. O título da obra sugere a analogia com o jogo de quatrilho, jogo de cartas comum, naquele período, entre os camponeses – imigrantes italianos – daquela região. Nesse jogo, a cada mão de cartas ocorre a troca de parceiros. Ângelo Gardone e Teresa, Mássimo Boschini e Pierina: os jovens casais que, sem terra e evitando o caminho considerado arriscado das colônias novas, formam
1 O livro de José Clemente Pozenato deu origem ao filme, de mesmo nome, dirigido por Fábio Barreto e lançado em 1995.
179
uma sociedade, deixando Santa Corona rumo a San Giusepe, onde construiriam um moinho e compartilhariam a mesma terra e a mesma casa. Teresa e Mássimo, Pierina e Ângelo: os novos casais que se formariam a partir da paixão surgida entre os dois primeiros, paixão que os faria deixar tudo para trás.