Um toque

Couro e pele
Já passava das oito horas da noite, Carlos se continha no silêncio desde que recebera a ligação da escola. Marcinha tinha sido pega com um garoto no banheiro pela terceira vez. A mãe, Marta, chorava, também, pela terceira vez sem saber o que fazer ou dizer para a filha.
- É a terceira e última! – Exclamou Carlos. – Não sei pra que colégio vai, se vai sequer sair de casa ou ficar aqui.
- Carlos, para, não vai fazer nada de cabeça quente. – Retrucou Marta.
- De cabeça quente? Não tem mais o que fazer, Marta, nossa filha já se foi há muito tempo! Desde que ligaram da primeira vez sabia que não estavam falando da filha que eu criei, mas de uma qualquer. –
Marcinha se revolta e berra: - Não me chama assim! –
- Chamo, pois é o que tu és. Não quis sair dando pra metade do colégio? Agora aguenta ser chamada do que tu és. Minha filha é uma vagabunda! –
A mãe, em prantos, tenta acalmar o homem. Desespera-se e corre para o quarto, trêmula após ouvir os berros de Carlos.
Continuam, na sala, o pai e a filha. O homem fora de si berra repetidamente: - Vagabunda! Vagabunda! Vagabunda! – Enquanto a filha, encolhida no sofá, cochicha para si mesma “não me chama assim, não me chama assim, não me chama assim.” Ele aproxima seu rosto a um palmo de Marcinha e abaixa o tom de voz, agora seco e sarcástico.
- Vagabunda, tu és uma vagabunda. Uma puta, é isso que tu és, ouviste?
A menina, trêmula, dá um tapa no rosto do pai. Este se cala, devagar desafivela o cinto e calmamente o dobra. A cena se fecha com um som característico de couro e pele.

Introspecção
Três dias depois, Marcinha ainda lambe as feridas daquela noite. Vira a madrugada confusa; estaria realmente errada por fazer o que sentia vontade? Era uma criança segundo Marta e Carlos, mas já tinha pernas de mulher, seios de mulher e vontades de mulher. Por Deus, era uma mulher feita em seus dezesseis anos!
Pensou então que se sabia o que era ser adulta poderia tentar, não seria tão difícil enfrentar