Um rio chamado tempo uma casa chamada terra
Em Luar-do-Chão, uma misteriosa ilha de acontecimentos fantásticos, ele precisa solucionar um conflito íntimo, semelhante ao dilema da África pós-colonial. Esta Ilha vai representar para o protagonista um reencontro consigo próprio.
Manhã cedo me ergo e vou à deriva. (...) Pretendo apenas visitar o passado. Dirijo-me às encostas onde, em menino, eu pastoreava os rebanhos da família. As cabras ainda ali estão, transmalhadas. Parecem as mesmas esquecidas de morrer. Se afastam, sem pressa, dando passagem. Para elas, todo o homem deve ser pastor. Alguma razão têm. Em Luar-do-Chão não conheço quem não tenha pastoreado cabra. Ao pastoreio devo a habilidade de sonhar. Foi um pastor quem inventou o primeiro sonho. Ali, face ao nada, esperando apenas o tempo, todo o pastor entreteceu fantasias com o fio da solidão. As cabras me atiram para lembranças antigas. (pág. 190)
A pretexto do relato das extraordinárias peripécias que rodeiam o funeral do avô de Mariano, este romance traduz, de uma forma ao mesmo tempo irônica e profundamente poética, a situação de conflito vivida por uma elite ambiciosa e culturalmente distanciada da maioria rural.
Certamente, nos familiarizamos com as personagens de Mia Couto, que poderiam habitar muitas de nossas regiões, com suas rezas e segredos. No entanto, o assalto aos valores desse povoado muito diz, como já citado, sobre a própria história de Moçambique, e mais além, sobre a situação atual do homem moderno em qualquer parte do mundo, exilado de sua coletividade e de suas