Trabalhos
Fernando Sabino
A porta estava aberta. Foi só eu surgir e arriscar uma espiada para a sala, o dono da casa saltou da mesa para receber- me.
- Vamos entrar, vamos entrar. Estávamos à espera do senhor para começarmos a reunião: o senhor não é o 301?
Não, eu não era o 301. Meu amigo, que morava no 301, tivera que fazer repentinamente uma viagem, pedira- me que o representasse.
O homem estendeu- me a mão, num gesto decidido:
- Pois então muito prazer.
Disse que se chamava Milanês e recebeu com um sorriso à milanesa a minha escusa pelo atraso. Desconfiei desde logo que fosse meio surdo – só mais tarde vim a descobrir que seu ar de quem já entendeu tudo antes que a gente fale não era surdez, era burrice mesmo.
Conduziu- me ao interior do apartamento onde várias pessoas, umas onze ou doze, já estavam reunidas ao redor da mesa. À minha entrada, todos levantaram a cabeça, como galinhas junto ao bebedouro. O apartamento era luxuosamente mobiliado, atapetado, aveludado, florido e enfeitado, nesta exuberância de mau gosto a que se convencionou chamar de decoração. O Milanês fez as apresentações:
- Aqui é o Dr. Matoso, do 302. Quando precisar de um médico… Ali o capitão Barata, do 304 – representante das gloriosas Forças Armadas. Dona Georgina e Dona Mirtes, irmãs, não se sabe qual mais gentil, moram no 102. Aquele é o Dr. Lupiscino, do 201, nosso futuro Síndico…
Suas palavras eram recebidas com risadinhas chochas, a indicar que vinha repetindo as mesmas graças a cada um que chegava. Cumprimentei o médico, um sujeito com cara mesmo de Matoso, o capitão com seu bigodinho ainda de tenente, as duas velhas de preto, não se sabia qual mais feia, o futuro síndico, os demais. O dono da casa recolheu a barriga e as idéias sentando- se empertigado à cabeceira. Busquei o único lugar vago do outro lado e acomodei- me. A mulher do Milanês passou- me um copo de refresco de maracujá – só então percebi que todos bebericavam o refresco em pequenos goles, aquilo parecia