trabalho
Roberto Bartholo
Vivemos um tempo onde a confrontação com os poderes e conquistas tecnocientíficas é constitutiva de nosso cotidiano. A crença numa onipotência para o Bem da intervenção tecnocientífica, elemento de base das ideologias do salvacionismo tecnocrático, pressupõe a certeza de uma permanente capacidade auto-corretiva do vetor tecnológico para eventuais efeitos externos indesejáveis, sem que para isso se torne imperativa qualquer revisão de seus parâmetros e critérios de eficiência e eficácia. Parte dos dilemas de nosso tempo é o mal-estar quanto à corroboração de tais premissas pelos fatos da experiência.
Os caminhos da modernidade hegemônica contemporânea, dita globalizada, parecem uma espiral cumulativa de distúrbios irreversíveis: degradação ambiental, exclusão social, violência e injustiça se associam à emergência de estados patológicos transformados em norma. A aceitabilidade social e a legitimidade ético-política de sistemas tecnocientíficos, que corporificam em si decisões grávidas de irreversibilidades sobre modos de vida presentes e futuros, são o problema central para as democracias.
A neutralização ética da idéia de verdade e sua identificação com o conceito operacional de correção preditiva de proposições relativas a relações causais observáveis (e mensuráveis) na descrição de eventos serve de suporte para uma identificação entre saber e poder, congruente com a clássica formulação de Francis Bacon (1). Essa construção permeia o redesenho iluminista europeu do ideal do homem culto. Nele se expressa uma postura diante da vida a ser atingida com base numa atividade espiritual autônoma, capaz de superar, de forma dialética, a tutela imposta heteronomamente pela educação religiosa popular.
Essa perspectiva tem expressão de incomparável clareza e concisão nos versos do Zahme Xenien de J.W. Goethe: "... Quem possui ciência e arte, tem também religião. Quem ambas não possui, tem religião".
A tecnociência