Trabalho
Moacyr Scliar
Escrevo há muito tempo. Costumo dizer que, se ainda não aprendi – e acho mesmo que não aprendi, a gente nunca para de aprender –, não foi por falta de prática. Porque comecei muito cedo. Na verdade, todas as minhas recordações estão ligadas a isso, a ouvir e contar histórias.
Não só as histórias das personagens que me encantaram, o Saci-Pererê1, o Negrinho do
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Pastoreio2, a Cuca3, Hércules4, Mickey Mouse5, Tarzan6 e os piratas. Mas também as minhas próprias histórias, as histórias de minhas personagens, estas criaturas reais ou imaginárias com quem convivi desde a infância.
“Na verdade", eu escrevi ali em cima. Verdade é uma palavra muito relativa para um escritor de ficção. O que é verdade, o que é imaginação?
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No colégio onde fiz o segundo grau, o Júlio de Castilhos, havia um rapaz que tinha fama de mentiroso. Todo mundo sabia que ele era mentiroso. Todo mundo, menos ele. Uma vez, o rádio deu uma notícia alarmante: um avião em dificuldades sobrevoava Porto Alegre. Podia cair a qualquer momento.
Fomos para o colégio, naquele dia, preocupados; e conversávamos sobre o assunto, quando
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apareceu ele, o Mentiroso. Pálido: – Vocês nem podem imaginar! Uma pausa dramática, e logo em seguida: – Sabem este avião que está em perigo? Caiu perto da minha casa. Escapamos por
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Saci-Pererê: personagem do folclore brasileiro, conhecido por suas brincadeiras. É um negrinho, que tem uma perna só, usa um gorro vermelho e fuma cachimbo.
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Negrinho do Pastoreio: personagem do folclore brasileiro. É um escravo que foi punido por seu patrão por ter perdido um cavalo no pasto, mas foi protegido pela Virgem Maria. Diz-se que até hoje anda pelos campos à procura de objetos perdidos, para ajudar aqueles que lhe acendem velas pedindo ajuda.
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Cuca: personagem do folclore brasileiro, representada por uma velha, com cabeça de jacaré, que possui uma voz assustadora. De acordo com a lenda, a Cuca assusta e pega