Textos de apoio
1. A especificidade do pensar filosófico
O núcleo constituinte do filosofar como tarefa organiza-se em torno da atividade do pensar.
De dentro do real – e como ingrediência dele – pensamos, recortando na totalidade deve-niente em que lateja focos e objetos de interesse, demandando inteligibilidade e saber, antecipando possibilidades e computando estratégias, operando um seu processamento apontado a uma apropriação refletida da concreção dinâmica do ser.
De dentro do real pensamos, sempre mediados, e intermediados, pela presença, próxima e remota, do outro e de outrem – no espaço-tempo material de uma convivialidade e de uma cultura onde as interações (da comunhão e do diálogo ao conflito e à contradição) formam o elemento em que se geram e determinam conteúdos, posições, perguntas.
De dentro do real pensamos, sofrendo o peso e as vicissitudes do poder que sobre nós exerce, mas também intervindo nele pela descoberta dos seus meandros, pela sondagem do seu teor, pelo surpreender dos leques de possíveis que adiante de si projeta – na unidade dialética de um processo que nasce de, acompanha e perspetiva práticas de transformação.
Em termos de especificidade, o pensar filosófico desenha-se e inscreve-se no real: estabelecendo questionários que rompem a carapaça rígida da imediatez na aparência intransponível; desenvolvendo a vigilância crítica que permite revelar a complexidade e contraditoriedade de que o ser se tece e entretece; buscando o registo da fundamentação que nos desvenda a bateria de supostos e estruturas que comandam a fenomenalização deveniente e as suas rotas de futuro; inquirindo o horizonte de possibilidades que cada existência, a um tempo, obnubila e prepara.
Do ponto de vista subjetivo, o pensar – e mormente o pensar filosófico – requer, concita, mobiliza um exercício autónomo: o pensar por si próprio.
José Barata-Moura, Filosofia: é cousa de escrever? em: