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I
ALGO DISPARA
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Há poucos anos, na sala de recepção de uma das clínicas-escola onde atuo como psicóloga, vi chegar uma senhora de cerca de 60 anos. Aparentemente muito deprimida, vinha com os cabelos despenteados, a tintura por refazer, arrastando os pés, envolta num xale que mal segurava. Disse à recepcionista que necessitava de atendimento porque se sentia muito mal e sem vontade de fazer coisa alguma.
Seguindo o procedimento usual, a secretária informou-lhe que deveria retornar em um outro dia da semana para uma entrevista de triagem.
Observando aquela senhora de corpo curvado, andar lento, fala monocórdia, necessitando visivelmente de ajuda, em um movimento espontâneo, resolvi atendêla.
Contou-me que perdera a vontade de fazer coisas, que não se arrumava, passava o dia todo deitada e que descuidara da casa. Era viúva e morava com dois filhos adultos que se preocupavam muito com ela. Procuravam animá-la e saiam para o trabalho intranquilos por deixá-la sozinha. Mostrou-se culpada em relação a eles, que chegavam cansados do trabalho e não encontravam a casa arrumada nem comida pronta.
Preocupada com o que poderia fazer naquele atendimento, sentia-me contaminada pela sensação de impotência e depressão, à medida que ela me relatava a sua vida. Certo desânimo foi tomando conta de mim. Sabia que não teríamos outro encontro e por isso sentia-me pressionada a encontrar alguma solução. A mais fácil seria encaminhá-la para psicoterapia. Mas teria ela forças para buscar este atendimento? Ocorriam-me diversas possibilidades teóricas de intervenção para a situação; os nomes de vários colegas passavam-me pela cabeça e eu me perguntava qual deles poderia atendê-la, se ela teria condições de arcar com um atendimento particular ou se seria necessário encaminhá-la
para um
atendimento gratuito?
Criou-se uma situação triangular: sentia-me mais preocupada com este terceiro personagem, o futuro terapeuta, do que com a cliente que estava à