Texto Extra Primeira Medita O De Descartes
SOBRE ALGUMAS CONDIÇÕES PARA A DÚVIDA NA “PRIMEIRA
MEDITAÇÃO” DE DESCARTES
César Schirmer DOS SANTOS1
Resumo
Descartes propõe, como atitude àquele que pretende fazer ciência, colocar tudo em dúvida. Como veremos, tal proposta restringe-se ao plano ou domínio da investigação da verdade, o qual é distinto do plano ou domínio da conduta da vida. Tal restrição é fundamental para a própria possibilidade da dúvida metódica, e torna o método da dúvida um análogo das posições críticas usuais dos cientistas em relação aos discursos não justificados.
Além de ser possibilitado pela restrição ao domínio da investigação científica, e ser um tipo de postura crítica, o método da dúvida mostra-se adequado para o debate com o tipo de oponente epistemológico que Descartes tinha em seu tempo.
Palavras-chave: Descartes. Dúvida. Método. Ciência. Uso da vida. Epistemologia.
1 Filosofias discursivas e filosofias atitudinais
Filosofias discursivas apresentam teses e argumentos que as sustentam, e fornecem como output outras teses. Em tal tipo de filosofia, usual nos dias de hoje, tudo é feito dentro do discurso. Filosofias atitudinais, por sua vez, prescrevem certa atitude ante certo tipo de situação. O fazem, é claro, a partir de certas razões, ou objetivos – mas o output é uma atitude, um modo de agir ou de ser, não uma conclusão. Encontramos filosofias atitudinais em morais metafísicas de teor estóico, por exemplo, as quais prescrevem certas atitudes ante o mundo.
Pois bem, Descartes (1983b; 2000) tem uma filosofia atitudinal, através da qual ele prescreve ao meditador, na “Primeira meditação”, o afastamento dos sentidos.
Uma filosofia atitudinal não se concentra em apresentar teses, pois seu foco está na
Barbarói. Santa Cruz do Sul, n. 26, jan./jun. 2007
174
prescrição de atitudes. E é isso, creio eu, o que Descartes faz, antes de tudo, na “Primeira meditação”. Nesse texto, onde não se encontra (ao menos de maneira argumentada e fundamentada) nenhuma tese de Descartes, o