Texto Arendt Filosofia E Pol Tica
A dignidade da política
Tradução
H elena M artins, Frida C oelho, A ntonio A branches,
C ésar A lm eida, C laudia D rucker e Fernando R odrigues
Organização, introdução e revisão técnica
A ntonio Abranches
3 a
E dição
Rio de J a n e i r o
2002
Filosofia e política1
O abismo entre filosofia e política abriu-se historicamente com o julga mento e a condenação de Sócrates, que constituem um momento decisivo na história do pensamento político, assim como o julgamento e a condenação de Jesus constituem um marco na história da religião. Nossa tradição de pensam ento político teve início quando a morte de Sócrates fez Platão desencantar-se com a vida da polis e, ao mesmo tempo, duvidar de certos princípios fundamentais dos ensinamentos socráticos, O fato de que Sócrates não tivesse sido capaz de persuadir os juizes de sua inocência e de seu valor, tão óbvios para os melhores e mais jovens cidadãos de Atenas, fez com que
Platão duvidasse da validade da persuasão. Para nós, é difícil captar a importância dessa dúvida, porque “persuasão” é uma tradução muito fraca e inadequada para a velha peithein, cuja importância política evidencia-se no fato de Peithô, a deusa da persuasão, ter tido um templo em Atenas.
Persuadir, peithein, era a forma especificam ente política de falar, e como os atenienses orgulhavam-se de conduzir seus assuntos políticos pela fala e sem uso de violência, distinguindo-se nisso dos bárbaros, eles acreditavam que a arte mais alta e verdadeiramente política era a retórica, a arte da persuasão.
O discurso de Sócrates na Apologia é um dos grandes exemplos disso; e é contra essa defesa que Platão escreve, no Fédon, uma “apologia revista” — que, não sem ironia, ele afirma ser “mais persuasiva” (pithanoteron, 63B), por term inar com um mito do Além, que incluía castigos corporais e recom pensas, um mito calculado para amedrontar o público em vez de apenas persuadi-lo. A ênfase de Sócrates em sua defesa perante os cidadãos e juizes