Sócrates e Cálicles acerca da justiça
Sócrates: “Qual era então, meu amigo, a questão sobre a qual nós não estávamos de acordo? Era acerca de Arquelau: tu dizias que ele era feliz, ainda que ele tivesse cometido as maiores injustiças e não tivesse recebido nenhuma punição. Eu pensava justamente o oposto: se Arquelau, ou não importa quem, faz um ato injusto sem ser punido, ele está destinado a viver em uma infelicidade que ultrapassa amplamente a dos outros homens. Eu sustentava também que aquele que a comete é sempre mais infeliz que aquele que a sofreu e que o culpado que não é punido é mais infeliz do que o culpado que é punido;
Polos: sim;
Sócrates: ora, então está demonstrado que o que eu dizia era verdade.
Polos: sim, é o que parece…” Gorgias 479d/480a
Cálicles: “…Quando dizemos que é injusto e vil termos mais do que a maior parte das pessoas nos exprimimos segundo a lei. Ora, ao contrário, é evidente, acho eu, que a justiça consiste em que o melhor tenha mais do que o pior e o mais forte que o menos forte. Isso ocorre por toda a parte, é isso que a natureza ensina, em todas as espécies animais, em todas as raças humanas e em todas as cidades. Se o mais forte domina o menos forte e é superior a ele, eis aí o signo de que isso é justo…” Gorgias 483c:
O objetivo deste trabalho é explicar cada uma dessas passagens reconstruindo as razões que a sustentam segundo Platão; explicar, em seguida, em que medida elas se contrapõem e finalmente, com base nessas explicações vou me posicionar sobre esse conflito e sobre qual posição me parece mais correta sobre o que seja a justiça.
Desenvolvimento
Na primeira seção do diálogo, Sócrates leva Górgias a especificar o objeto da retórica como "acerca do justo e do injusto" (454b); e mais tarde alarga-se a "o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, o que é justo e o que é injusto" (459d), em suma, todo o domínio moral. Além disso, Górgias concorda que o orador não