Sociologia
R
efletir sobre a violência – trabalho ao qual nos dedicamos em outros momentos, como na Revista da APPOA nº 12, A psicanálise em tempos de violência – implica nos defrontarmos com a extrema complexidade do tema, tendo em vista não só as múltiplas e difusas formas de sua materialização na contemporaneidade, mas também as singulares nuances simbólicas de cada contexto que a circunscreve. Além disso, a psicanálise nos adverte de que devemos tomar uma certa distância, suspeitar de discursos queixosos, alicerçados numa posição vitimizada, como se a violência fosse exterior a nós mesmos, ou seja, como uma espécie de mal que habita o outro e que a qualquer momento poderia nos atingir. A referência do mito freudiano em “Totem e tabu” (1912), parece-nos fundamental, pois ao apontar que “a cultura se funda num ato de violência mediante o assassinato do pai”, Freud nos mostra que recalcamos um crime originário, do qual somos cúmplices e tributários. Nesse sentido, do ponto de vista psicanalítico, em se tratando“da violência, vivenciamos um misto de agentes, vítimas e espectadores”. Assim, embora a cultura seja fruto de um ato de violência que recalcamos, isto não justificaria as inúmeras formas de violência, sutis ou cruentas, a que estamos confrontados. Tampouco nos protege da angústia frente ao horror/fascínio ao qual, por vezes, nos sentimos capturados. Conforme destaca Hannah Arendt (2000) em seu ensaio – A condição humana: “somente a pura violência é muda, e por este motivo, ela jamais poderá ter grandeza”. Ao situar a violência como produtora de emudecimento, aponta que tal ato produz um declínio do poder da palavra, demarcando um impasse na manutenção dos laços sociais, na medida em que fragiliza sensivelmente as possibilidades de potencialização do diálogo. Quando nos propomos a trabalhar numa edição do Correio sobre as faces da violência, de alguma forma nos comprometemos em colocar em causa mecanismos de circulação da palavra; fundamental para