Sociologia Marilena cHAUI A NAO VIOLENCIA DO BRASILEIRO
A NÃO VIOLÊNCIA DO BRASILEIRO,
UM MITO INTERESSANTÍSSIMO. *
Nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores, somos, graças a Deus, gente ordeira e pacífica. Nós, brasileiros, não temos horror à violência...Quantas vezes, dos palanques de comício, pelas ondas de rádio e pelos canais de televisão, ouvimos o refrão? A classe dominante, assistida por seus intelectuais, construiu a imagem do brasileiro como povo não violento.
Mito interessantíssimo porque, se nos interessa perceber quais os dispositivos ideológicos que permitem sua construção, a despeito (ou por causa?) da realidade brutal dos fatos. Aliás, o próprio refrão – somos gente que odeia violência – sugere que a dissimulação da realidade se efetua graças a um mecanismo de exclusão social: se violentos houver, não são nossa gente.
Interessa, pois, apreender a elaboração do mito da não-violência brasileira assimilando procedimentos ideológicos que, sendo fonte cotidiana de praticas violentas, no entanto aparecem como ordenação racional e justa das relações sociais. Este segundo aspectoé, hoje, de grande relevância porquanto a sociedade brasileira parece estar boquiaberta diante do atual “surto” de violência que assola o país, a crermos nas manchetes dos jornais e discursos oficiais, como plantação surpreendida por praga de gafanhoto.
* Exposição no simpósio de Educação e Sociedade Violenta durante a 1ª
Conferencia Brasileira de Educação – São Paulo, 31 de março de 1980.
1 – O mito da não-violência: alguns mecanismos ideológicos para sua construção. De maneira vaga e genética, definamos a violência como um processo pelo qual oindividuo (humano ou não) é transformado de sujeito em coisa. Essa
“definição” grosseira tem aqui uma finalidade precisa. Estamos habituados a
considerar a violência pelo prisma da violação, isto é, como transgressão de regras, normas e leis aceitas por uma coletividade e das quais ela depende para continuar existindo. Neste