Sobre o Manifesto do Partido Comunista
A genialidade do texto do Manifesto reside no fato de, em algumas poucas páginas, expor uma elaborada reflexão sobre a história. Nele estão presentes os principais pontos que já vinham norteando a reflexão de Engels e de Marx e que se constituirão em referências fundamentais para qualquer pensamento histórico subsequente.
Antes, porém, de entrarmos nos conceitos e categorias que balizam a reflexão histórica no Manifesto Comunista, vejamos as condições a partir das quais — e contra as quais — construíram-se idéias tão novas e férteis. O século XIX assistiu a uma mudança significativa na forma de conceber avida social e o processo histórico. Duas tendências principais ancoravam o pensamento histórico na primeira metade do século XIX: sobrevivências do providencialismo cristão, embora bastante alteradas e a generalização do pensamento liberal [1] .
O providencialismo, enfraquecido pelas árduas contestações que sofrera, ainda exercia algum fascínio sobre o pensamento histórico. Traduzia-se pela suposição da existência de um “plano” exterior ao processo histórico, plano que se realizaria no mundo a partir de desígnios externos. Classicamente, o conhecimento desse plano intangível ocorreria através da Revelação divina e sua concretização deveria ser assegurada através de alguns grupos sociais restritos, tradutores desses desígnios (Igreja ou Monarquia). Em sua forma laicizada, a Razão ocupava o lugar dessa entidade pairando acima e fora da vida social e dos homens. De maneira similar, em ambos os casos, o processo histórico tornava-se apenas uma ilustração de tal “plano”.
Bastante alterado pelos combates que teve de enfrentar ao longo dos séculos XVII e XVIII, o pensamento de cunho providencialista forneceria ainda o lastro para grandes reações conservadoras do século XIX (como a Santa Aliança) [2] e, de forma “modernizada”, forneceria subsídios para o eurocentrismo, no processo de expansão capitalista.