SERMÃO DO DEMÔNIO MUDO
(DISPONÍVEL EM: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=28861) No Convento de Odivellas, Religiosas do Patriarca S. Bernardo. Ano de 1651 Erat Jesus ejiciens daemonium, et illud erat mutum[1].
§I
O demônio com bramidos de S. Pedro, e o demônio mudo de S. Lucas. Os ouvintes a quem o demônio tragou, deixando as orelhas de fora. Vigiai, e estai alerta - diz o apóstolo S. Pedro - porque o demônio, vosso inimigo, como leão bramindo, cerca e anda buscando a quem tragar: Sobrii estote et vigilate, quiaadversarius vester diabolus, tanquam leo rugiens, circuit, quaerens quem devoret (1 Pdr. 5, 8). - Necessária e temerosa advertência é esta; mas muito mais necessária e muito mais temerosa a de que hoje nos avisa o Evangelho. Por quê? Porque o demônio, de que nos manda acautelar S, Pedro, é demônio com bramidos: Tanquam leo rugiens - e o demônio de que fala o Evangelho é demônio mudo: Erat Jesus ejiciens daemonium, et illud erat mutum. - Se o demônio vem bramindo, os mesmos bramidos dão rebate do perigo, e ninguém haverá tão descuidado, ainda que esteja dormindo, que não esperte assombrado, e se acautele; porém, se o demônio vem mudo, debaixo do mesmo silêncio, em que se esconde o perigo, descansa e adormece o cuidado. O demônio sempre é inimigo: Adversarius vester diabolus - mas quando vem bramindo, vem como inimigo declarado; quando vem mudo, vem como inimigo oculto; e muito mais para temer é o inimigo oculto e dissimulado que descoberto. Quando o exército contrário, com as bandeiras estendidas, ao som de caixas e trombetas se vem avançando aos muros, não são necessárias vigias; mas quando de noite vem marchando à surda, com todos os instrumentos bélicos em silêncio, então é necessário que as sentinelas estejam com os olhos muito abertos. Quando o demônio vem como leão bramindo, avisa-me o leão, e avisa-me S. Pedro; mas quando ele vem mudo, nem o leão nem S. Pedro me pode avisar.