Senhor Diretor - Lygia Fagundes Telles
(Brasil, 1923)
Senhor Diretor
Seca no Nordeste. Na Amazônia, cheia - leu Maria Emília na manchete do jornal preso aos varais da banca com prendedores de roupa. Desviou o olhar severo para a capa da revista com o jovem casal de biquíni amarelo, ela na frente, ele atrás, enlaçando-a na altura dos seios nus, amassados sob os braços peludos. Estavam molhados com se tivessem saído juntos de uma ducha. Sérios. Por que todas essas fotos obscenas tinham esse ar agressivo? Emendados feito animais. E brilhosos, escorrendo uma água oleosa, desde Sodoma e Gomorra os óleos e ungüentos perfumados fazendo parte das orgias. Até a manteiga, imagine, a inocente manteiga. Audácia da Mariana em contar o episódio da manteiga, aquela indecência que viu num cinema em Paris. E se sacudindo de rir, foi tão engraçado, Mimi, ele dançando o tango de calças abaixadas, tão cômico! E confessou que viu o filme duas vezes para entender melhor aquele pedaço, a debilóide. É o cúmulo. Disse que apareceu uma marca de manteiga que aproveitou para fazer sua propaganda, funcional com ou sem sal! Três anos mais velha do que eu, sessenta e quatro e meio. E se deliciando com a cena de um anormal pedindo manteiga. Como é que as autoridades permitem tamanho deboche? Falta de respeito. De pudor. Se uma mulher de sessenta e quatro anos e meio se deixa levar como uma folha na correnteza, o que dizer então dos jovens Meus Céus meus Céus os frágeis jovens sem estrutura, sem defesa, vendo esses filmes. Essas publicações.
Televisão é outro foco de imoralidade. Anúncios mais sujos, uma afronta. Hoje mesmo escreveria uma carta ao Jornal da Tarde, carta vazada em termos educados. Suspirou. Ainda há pessoas educadas mas que também (a fisionomia endureceu) podem ficar coléricas. Senhor Diretor: antes e acima de tudo quero me apresentar, professora aposentada que sou, paulista, solteira. Um momento, solteira, não, imagine, por que declinar meu estado civil? Basta isto, uma professora