Saramago
IV
Blimunda: Ali vai minha mãe, nenhum suspiro, lágrima nenhuma, nem sequer o rosto compadecido, que ainda assim não faltam estes no meio do povo apesar de tanto ódio, de tanto insulto e escárnio. (espera) Ali vai!
(Para Baltazar) Que nome é o seu?
Baltasar: Baltazar Sete-Sóis
Palco: Casa de Blimunda
Padre Bartolomeu: Não somos nada perante os desígnios do Senhor, se ele sabe quem somos, conforma-te Blimunda, deixemos a Deus o campo de Deus, não atravessemos as suas fronteiras, adoremos deste lado de cá, e façamos o nosso campo, o campo dos homens, que estando feito há-de querer Deus visitar-nos, e então, sim, será o mundo criado.
(Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda e deslumbrado)
(Blimunda serve duas tigelas de sopa aos dois homens, fez tudo isto sem falar),
(Blimunda espera pela colher de Baltazar)
Padre Bartolomeu: Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem… Blimunda: Sim
Padre Bartolomeu: …fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu?
Então declaro-vos casados.
(O padre Bartolomeu Lourenço esperou que Blimunda acabasse de comer da panela as sopas que sobejavam, deitou-lhe a bênção)
(Padre sai)
(Baltazar e Blimunda não falam)
Baltasar: Por que foi que perguntaste o meu nome?
Blimunda: Porque minha mãe o quis saber, e queria que eu o soubesse!
Baltasar: Como sabes, se com ela não pudeste falar?
Blimunda: Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê!
Baltasar: E agora?
Blimunda: Se não tens onde viver melhor, fica aqui.
Baltasar: Hei-de ir para Mafra, tenho lá família.
Blimunda: Mulher?
Baltasar: Pais e uma irmã.
Blimunda: Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires.
Baltasar: Por que queres tu que eu fique?
Blimunda: Porque é preciso!