Santo graal
O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encontrar o seu lugar entre os de mais seres da natureza. E um modo ingênuo, fantasioso, anterior a toda reflexão e não-crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, masque dão, também, as formas da ação humana.
A Demanda corresponde precisamente à reacção da Igreja Católica contra o desvirtuamento da Cavalaria. Os cavaleiros-andantes feudais não raro acabaram por se transformar em indivíduos desocupados, quando não autênticos bandoleiros, vivendo ao sabor do acaso, amedrontando, pilhando, assaltando. A fim de trazê-los à civilização, reconvertendo-os aos bons costumes, o Concílio de Clermont, em 1095, decidiu a organização da primeira Cruzada e a correspondente formação duma cavalaria cristã. Inicia-se uma vasta pregação de ideais de altruísmo e respeito às instituições. A Demanda, cristianizando a lenda pagã do Santo Graal, colabora intimamente com o processo restaurador da Cavalaria andante: caracteriza-se por ser uma novela mística, em que se contém uma especial noção de herói antifeudal, qualificado por seu estoicismo inquebrantável e sua total ânsia da perfeição. Novela a serviço do movimento renovador do espírito cavaleiresco, em que o herói também está a serviço, não mais do senhor feudal, mas de sua salvação sobrenatural, uma brisa de teolo-gismo varre-a de ponta a ponta, o que não impede, porém, a existência de circunstanciais jactos líricos e eróticos, nem algumas notas de fantástico ou mágico, em que o real e o imaginário se cruzam de modo surpreendente.
A novela, ao trabalhar a luta entre o Bem e o Mal, está lidando com valores míticos, pré-reflexivos, que se encontram dentro de todos nós. Aliás, nas novelas, o casamento também é transformado em mito: é o grande anseio dos jovens enamorados, é a solução de todos os problemas, o apaziguamento de todas as paixões e