As contribuições arendtianas para os debates jurídicos contemporâneos estão marcadas pela reflexão crítica a respeito dos limites do direito em face da crise política de nosso tempo. Nada mais distante do pensamento arendtiano do que conceber o direito, ou os direitos humanos, como a instância política única ou privilegiada para o exercício ativo da cidadania e para a compreensão da política em suas (im)possibilidades contemporâneas. Nada mais contrário ao pensamento político arendtiano do que considerar a política como fundada no direito, fazendo do direito, e dos direitos humanos em particular, a política par excellence. Neste texto, gostaria de argumentar que Hannah Arendt posiciona-se à margem da recorrente subordinação contemporânea da política ao direito nos debates de teoria política, sem que tal recusa signifique desconsiderar a dimensão política do direito e sua importância decisiva na modernidade como fator de estabilização dos espaços relacionais da liberdade política. No que diz respeito à relação entre direito e política o pensamento arendtiano escapa às alternativas tradicionais, pois não critica o direito como instância formal do encobrimento e legitimação das desigualdades sociais, à maneira do velho marxismo; não reduz o direito à expressão legal de uma violência originária instituidora do poder soberano, à maneira do decisionismo; nem o compreende sob o parâmetro liberal da juridicidade, que visa domesticar e normatizar a criatividade política pelo recurso a categorias jurídicas. Arendt é uma pensadora da política democrática radical em sua autonomia relativa em relação ao direito, de modo que a esfera jurídica jamais é pensada como um arcabouço normativo rígido, capaz de formatar a priori a política. Para Arendt, a ação política genuína sempre traz o novo e, dada sua imprevisibilidade, transcende e desafia os limites do ordenamento legal pré-estabelecido, transformando-o necessariamente. Ao pensar a autonomia relativa da política democrática