Relação entre a poluição e as oferendas à Iemanjá
Oferenda não é essa perna de sofá. Essa marca de pneu. Esse óleo. Esse breu. Peixes entulhados. Assassinados. Minha Rainha.Não são oferenda essas latas e caixas. Esses restos de navio. Baleias encalhadas. Pinguins tupiniquins. Mortos e afins. Minha Rainha. Não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de Coca. Essas flores de bosta. Não mijei na tua praia. Juro que não fui eu. Minha Rainha. Oferenda não são os crioulos da Guiné. Os negros de Cuba. Na luta. Cruzando a nado. Caçados e fisgados. Náufragos. Minha Rainha. Não são para o teu altar essas lanchas e iates. Esses transatlânticos. Submarinos de guerra. Ilhas de Ozônio. Minha Rainha. Oferenda não é essa maré de merda. Esse tempo doente. Deriva e degelo. Neste dia dois de fevereiro. Peço perdão. Minha Rainha. Se a minha esperança é um grão de sal. Espuma de sabão. Nenhuma terra à vista. Neste oceano de medo. Nada. Minha Rainha.
Marcelino Freire. Extraído do livro de contos Rasif – Mar que arrebenta, 2008.
Sobre Iemanjá
Provavelmente você já ouviu falar da festa em homenagem à Iemanjá, a "Rainha do mar", que ocorre todo dia 2 de fevereiro em Salvador, na Bahia. Se você já passou uma virada de ano na praia, também já reparou que várias pessoas depositam no mar oferendas para a divindade do candomblé, além de pularem sete ondas como forma de pedir sorte à orixá. Segundo o antropólogo baiano Júlio Braga, as pessoas oferecem a Iemanjá diferentes presentes - sabonetes, velas, flores e perfumes -, pois acreditam que a "rainha" leva consigo para o fundo do mar todos os nossos problemas, confidências, e traz de volta sobre as ondas a esperança de um futuro melhor.
Protagonista de milhões de lendas, Iemanjá se multiplica em várias versões e se transforma de acordo com a cultura. Chegou ao Brasil nos tempos coloniais, trazida pelos escravos. Em terras africanas era a deusa do rio Ogun, rainha das águas doces. "Entre nós, ela se tornou a rainha do mar", explica o antropólogo. Os cabelos negros, os