Relato de um certo Oriente
A narrativa contemporânea além de figurar entre o real e o surreal procura explorar cada vez mais as dimensões do inconsciente humano, bem como as lacunas de memória que caracterizam este inconsciente. Voltar ao passado, relembrar, é um jogo de interpretação de símbolos e significados que tentam unir duas pontas: do passado real com o passado imaginado. Não há como estabelecer uma divisão entre realidade e ilusão, mas observar concepções de realidade entre distintos modos de visão.
Dentro dessa perspectiva é que o escritor Milton Hatoum escreve seu romance "Relato de um certo Oriente", lançado em 1989. O romance conta episódios de uma história que se inicia em Manaus no final do século 19, e termina em anos mais recentes. Tal obra recupera a tradição oral das "Mil e uma noites", onde o contador de histórias narra fatos e experiências passadas, sendo sua tessitura pautada pela reconstrução da memória que visa preencher as lacunas do esquecimento, bem como serve para atualizar o próprio discurso histórico-literário.
O processo de relembrar é como o encontro de alguém que após vários anos de ausência volta para casa, mas observa que embora a casa seja a mesma lhe é um objeto estranho porque este alguém também é outro, o que é justificável porque "no processo de rememorar ocorre um esforço de reordenação das imagens passadas condicionadas pelo presente do sujeito"[1]. Há na narrativa um vislumbramento onde cada objeto passa a ter um significado maior caracterizando uma consciência exótica da alteridade, onde o tempo será a grande metáfora da vida.
Em "Relato de um certo Oriente", a personagem principal, que não é nomeada, relembra fatos de sua infância ao escrever uma carta para seu irmão que mora em Barcelona, na Espanha. Essa narradora-testemunha busca recompor o passado através da memória, porém numa atuação coadjuvante, pois a mesma era impossibilitada de agir dentro