Amrik IV
Carlos Eduardo Schmidt Capela
UFSC – CNPq
Figuras no tempo. Figuras do tempo. Assim as águas, se rio. Assim a dança, em gesto. Não admira, por isso, que nas ficções de Miltom Hatoun e de Ana Miranda, Relato de um certo Oriente e Amrik, aqui analisadas com propriedade por Fernanda Müller, tais imagens de movimento, e de tempo – imagens-movimento e imagens-tempo, para falar com Gilles Deleuze, deslocando para o âmbito da narrativa literária conceitos com os quais ele analisa o cinema –, ocupem papel de relevo para a pulsação narrativa.
Do ponto de vista crítico é pertinente e sagaz o fato de Fernanda Müller ter pautado sua leitura, para o caso de Relato de um certo Oriente, justamente pelo fluxo do rio, que em seu texto se espraia por outros elementos narrativos, conjugando-os. Algo de análogo pode ser dito para o caso de Amrik, em cuja análise ressonam compassos que modulam gestos sensuais das danças escritural e figural propostas no livro. Nos dois romances, de todo modo, e é esse o corte analítico decisivo para o sucesso do trabalho da jovem estudiosa, rio e dança são tomados como configurações pelas quais o tema da memória – central em ambos – é introduzido e discutido.
Toda narrativa, como sabemos, de uma forma ou de outra opera a partir de meandros da memória. Na medida em que nos deparamos, com os livros de Milton Hatoum e Ana Miranda, com relatos que giram em torno de experiências de não-nacionais, libaneses, numa sociedade a eles a princípio alheia, e na qual são acolhidos, somos colocados frente a situações em que o contato com o passado, o diálogo, adquire uma dimensão ainda mais fundamental. Daí que nos dois livros, embora o ponto de vista e a voz narrativa sejam assumidos por narradoras que se expressam na primeira pessoa, o ato de narrar-se acaba por se confundir, de modo ineludível, com narrações sobre terceiros, com terceiros e de terceiros. Ou seja, vozes outras são neles incorporadas, entremeadas, de