Presente por Encomenda
Desceu do ônibus. Procurou algum lugar para sentar, descansar do sacolejo o corpo e do barulho de motor a cabeça; afinal, estava uma tarde fresca, muitos pássaros fazendo algazarra por perto. Distraía-se não apenas com as interjeições das pessoas que se reencontravam, mas também com uma mãe que gritava com seu filho Lucas, com os pigarros de um velho e mesmo com as risadas de algumas mocinhas. Imaginou o sol cochilando atrás de alguma colina... o que o fez lembrar-se da infância, quando o avô apartava gado, aquela mistura de poeira e sol alaranjado sobre o curral. Havia tanto tempo que era cego que, às vezes, tinha dificuldade em recordar a feição das coisas. Ainda bem que tivera uma infância feliz, com muitas estripulias de menino, muitas cores na memória. Deu um largo suspiro, atentando de novo ao barulho dos pássaros. Buscou ao lado a sua velha bengala. No lugar, sentiu um objeto. Tateou a coisa, aquilo lhe pareceu ser algo como uma filmadora. Pegou sua pequena mala com alguns pares de roupa e boa parte de suas economias, e também sua bengala. Saiu à procura de um hotel. O ônibus partiria bem cedo. Precisava chegar o quanto antes na capital. O filho da falecida esposa estava preso. O dia seguinte prometia na estrada. Não seria o primeiro deficiente visual a se virar sozinho em lugar desconhecido. Teria chamado o Quinzinho, se não fosse a urgência da viagem. Foi perguntando até chegar ao único hotel da cidade. Na verdade, era um “dormitório”, que cheirava excessivamente a produtos de limpeza, em contraste ao mofo evidente. O recepcionista gritou pela Hermínia, que veio às pressas escada abaixo arrumar um quartinho sofrível ao lado da recepção. Havia uma cama de solteiro, com o colchão de molas cheio de deformidades, mais o travesseiro duro e fedido. Deitou, o cansaço era maior, desfalecia no lençol. Estava quase cochilando, quando ouviu batidas na porta. Era o recepcionista, a respeito de uma encomenda dos Correios. “Encomenda?