Pranto de maria parda
O Pranto de Maria Parda é uma das mais célebres peças de Gil Vicente. Intencionalmente, o grande dramaturgo, retratou a realidade das classes pobres de Lisboa, no Século XVI. Contrariando os discursos que enalteciam e louvavam a beleza e opulência da capital de um imenso império, Gil Vicente procura desvelar a vivência dos negros e mestiços chegados e nascidos na metrópole que, em Quinhentos, calcula-se que perfaziam 10% da população de Lisboa. Muitos eram alcoólatras, mal cristianizados, deprimidos pela subvida serviçal e sem perspectivas de futuro a que estavam votados. Vêm-se canalizados na figura literária de Maria, perspicaz e corrosiva observadora da sociedade, amante do vinho carrascão. Podemos imaginar apenas o impacto que o monólogo terá tido na corte e junto do monarca; quando se viu defronte de atrevida mestiça, da base da pirâmide social, para mais mulher, mais a mais sexualmente livre, assumir, entre canadas (litros) de vinho, uma das mais lúcidas e desesperançadas críticas à sociedade dos "fumos da Índia”.
Gil Vicente foi genial e arrojado, mas quinhentos anos depois já o império se foi, já nada diz. Na linha de exigência a que acostumou o seu público. Para lá da coisificação compulsiva, uma criatura parda; simultaneamente pária, perdida e deambulando com desespero na solidão, procurando uma voz que não responde: - "Não sei que faça..." – diz. "Quem quer fogo, busque lenha!" – troça de si. Opressão auto infligida é um retrato e metáfora da fragilidade humana.
Maria Parda, poderosa sedutora cheia de espírito, sorumbática neurastênica, não é fácil de ser