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Aquela cómoda antiga em casa dos meus pais era o meu encanto. Era de madeira de castanho envernizado, tinha puxadores envelhecidos pelo tempo e o tampo era de pedra mármore.Em tempos devia ter sido um "toillet" pois ainda se notava o sítio onde tinha existido um espelho.
Eu olhava-a enternecidamente e imaginava as histórias que ela me poderia contar. Se falasse, ela contava-me tudo sobre a linda rapariga loira de saltos altíssimos e vestida a rigor para o seu primeiro baile. Falar-me-ia da sua figura de sonho, que parecia uma bailarina; da graciosidade com que ageitava ao espelho os caracois loiros penteados ao alto,formando um cacho e deixando a descoberto o rosto onde brilhavam os olhos,quais pedacinhos do céu que a boca vermelha realçava. Também, do cabelo puxado ao alto caindo numa cascata de caracois que valorizavam a sua figura já de si esbelta,o pescoço níveo que um colar belíssimo rodeava, as orelhas pequeninas donde pendiam dois pingentes com pérolas que mais pareciam duas gotas de orvalho numa manhã de primavera.
Também me falaria do gato preto,grande,gordo e lusidio que se punha a mirar ao espelho.Tinha aparecido lá por casa, certamente saltado de algum carro e como se diz que " um gato preto achado dá sorte" por lá ficou e eu dei-lhe o nome de Nico.
Olhando atentamente para as gavetas da cómoda e o seu conteúdo, as saias compridas, os corpetes,toda a roupa interior, os espartilhos, as camisas... tudo me falava de um tempo já passado.
Quando herdei a cómoda e foi restaurada,ela continuou a falar-me dos tempos idos,dos meus avós, dos meus pais e de toda a felicidade a que tinha assistido. Também dos lutos,das lágrimas e de toda a tristezaque tinha visto reflectida no espelho que já não existe.
Fiz uma bonita história
Cheia de encanto e leveza
Não me cobre de glória
Disso, tenho eu a certeza
28-01-2015
Mª Luísa Ventura