Poesia
a costura da verdade fabricada com a linha do tempo sai toda torta, em justo ponto.
de uma singer velha e companheira, a colcha de retalhos:
verbos sisudos aquinhoando frases que dizem isto e aquilo. a verve da palavra consignada ao nascer de tudo.
quadrado a quadrado de pano, centímetro a centímetro de zelo. esta costureira!
o forro do botão, delicadeza composta ao dedal, cuidado fremente com as agulhas...
tudo isso é uma tessitura. forjando a música da vida, chamando-a tecido, chamando-a texto, exercício. a verdade se excede em seu contexto. neste vício, a verdade é apenas indício dela mesma. (Moacir Eduão)
NO OMBRO DO CORVO I
O homem surge com seus rumos, do sêmen dos obstáculos, das frestas e saraivadas e da folha espalhada entre as fobias.
O medo temendo os corajosos.
O revólver em torno de si mesmo - arma que se atira e se resolve.
Uma arte incorrigível de poder: suicida cicuta que se prova
Revólver que se mata – este suicida.
Revólver que se mata com um revólver. a própria morte se exime da vida e a vida, quase alheia, do revólver um pássaro agoureiro, a dor que falha.
Gritando pelo agreste céu cinzento um enorme rasgo de mortalha, a véspera outonal de outro setembro - a garganta da navalha na navalha. (Moacir Eduão)
A PARTEIRA E O COVEIRO
eu vi a tristeza no olho do homem, na vida do homem que não se contenta.
Na coicindência da velha barreira entre este segredo que em si se sustenta. de sua mãe, hoje distante, ele se lembra, com muita doçura do ofício e da cena... era uma parteira, de então, primorosa vestida de rosa, de amor e açucena. enquanto a oficina da dócil senhora martelava as horas com plumas galantes, com fios diminutos tecidos de lírio, o jovem artista compunha o cenário depois que, ciente, se aprova o horário, as mãos do coveiro não são mais de um filho.
(Moacir Eduão)
A PARTEIRA E O COVEIRO, em francês.