Poemas
Cidade, rumor e vaivém sem paz nas ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e existem praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas, e às florestas verdes.
Poesia I (1944)
«CIDADE»
Desejo de evasão expresso no texto
O desejo que transparece de forma mais evidente no texto é a aspiração a uma evasão libertadora através dos espaços e dos largos horizontes, esse «vasto desejo» (v. 5) que é citado em comparação com as paisagens abertas, que são ditas ainda mais vastas do que ele. A pulsão pela viagem no espaço exterior joga, de forma contrastada, com a visão que transforma os «muros e as paredes» (v. 7) da cidade nos estreitos limites de uma espécie de prisão.
Caracterização do espaço da cidade
A cidade é o «rumor e vaivém sem paz das ruas» (v. 1), o que marca a actividade constante e opressiva que a habita; é a «vida suja, hostil, inutilmente gasta» (v. 2), o que sugere a falta de sentido que parece afectar toda a agitação que a ocupa, e, ao mesmo tempo, aponta para a sujidade que parece ser-lhe própria; os «muros e as paredes» (v. 7) fecham o espaço, cortam a expansão do olhar para a vastidão da natureza e criam um mundo de sombras onde pena a «alma» do sujeito, habitado pela permanente aspiração ao mais puro, natural e primordial («A minha alma que fora prometida / Às ondas brancas e às florestas verdes» - vv. 11-12).
Relação que o «eu» estabelece com o «tu» a quem se dirige
O «eu» lírico dirige-se a um «tu» que é a cidade onde vive. De um modo de tratamento aparentemente distanciado, como se lê nos dois primeiros versos, passa-se para um modo de tratamento mais próximo, e até íntimo, que se evidencia na utilização da