poema fernando pessoa
Não sei que sonho me não descansa
Não sei que sonho me não descansa
E me faz mal...
Mas eia! o harmónio a guiar a dança
Nesse quintal.
E eu perco o fim ao que não existe
E oiço dançar,
Já não alheio, nem sequer triste,
Só de escutar.
Quanta alegria onde os outros são
E dançam bem!
Dei-lhes de graça meu coração
E o que ele tem.
Na noite calma o harmónio toca
Aquela dança,
E o que em mim sonha um momento evoca
Nova esperança.
Nova esperança que há de cessar
Quando, já dia,
O harmónio eterno que há de acabar
Feche a alegria.
Ah, ser os outros! Se eu o pudesse
Sem outros ser!
Enquanto o harmónio minha alma enchesse
De o não saber.
Neste poema constituído por 6 quadras, vislumbramos a presença da rima cruzada (abab), o que despoleta uma certa musicalidade ao poema, ao que se junta a pontuação expressiva (uso de reticências, o que pressupõe frases suspensas, cujo significado reporta-se à incapacidade de dizer ou completar algo; o uso da exclamação, a qual manifesta emoções e sentimentos) e a alternância entre versos longos e curtos. Fazendo uso de várias formas verbais, como o presente do indicativo, que expressa a realidade ("não sei", "descansa", "faz"...), o imperfeito do conjuntivo ("pudesse", "enchesse"), o qual manifesta os desejos do "eu" e a conjugação perifrástica ("há de acabar"), na qual o sujeito poético demonstra a sua certeza em como a alegria terminará.
Tematicamente, o SP parte da observação/escuta de uma realidade para uma reflexão introspetiva, delineando um estado de espírito um tanto ou quanto calmo e passivo, mas que, ainda assim, denota alguma inquietação, pelo facto de o SP ter um sonho que não lhe permite repousar totalmente ou mesmo encontrar paz interior. Assim, esse mesmo sonho fá-lo sofrer. No entanto, o harmónio (instrumento musical semelhante a um acordeão)