Poemas Fernando Pessoa
Não! Só quero a liberdade!
Amor, glória, dinheiro são prisões.
Bonitas salas? Bons estofos? Tapetes moles?
Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo.
Quero respirar o ar sozinho,
Não tenho pulsações em conjunto,
Não sinto em sociedade por quotas,
Não sou senão eu, não nasci senão quem sou, estou cheio de mim.
Onde quero dormir? No quintal…
Nada de paredes — ser o grande entendimento —
Eu e o universo,
E que sossego, que paz não ver antes de dormir o espectro do guarda-fato
Mas o grande esplendor, negro e fresco de todos os astros juntos,
O grande abismo infinito para cima
A pôr brisas e bondades do alto na caveira tapada de carne que é a minha cara,
Onde só os olhos — outro céu — revelam o grande ser subjectivo.
Não quero! Dêem-me a liberdade!
Quero ser igual a mim mesmo.
Não me capem com ideais!
Não me vistam as camisas-de-forças das maneiras!
Não me façam elogiável ou inteligível!
Não me matem em vida!
Quero saber atirar com essa bola alta à lua
E ouvi-la cair no quintal do lado!
Quero ir deitar-me na relva, pensando «amanhã vou buscá-la»…
Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado…
Amanhã vou buscá-la ao quintal ao lado…
Amanhã vou buscá-la ao quintal
Buscá-la ao quintal
Ao quintal
Ao quintal
Ao lado…
À Noite
O silêncio é teu gémeo no Infinito.
Quem te conhece, sabe não buscar.
Morte visível, vens dessedentar
O vago mundo, o mundo estreito e aflito.
Se os teus abismos constelados fito,
Não sei quem sou ou qual o fim a dar
A tanta dor, a tanta ânsia par
Do sonho, e a tanto incerto em que medito.
Que vislumbre escondido de melhores
Dias ou horas no teu campo cabe?
Véu nupcial do fim de fins e dores.
Nem sei a angústia que vens consolar-me.
Deixa que eu durma, deixa que eu acabe
E que a luz nunca venha despertar-me!