peça orfeu da conceição
CORIFEU (ao som do violão)
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
CLIO ( a voz estremunhada)
É o violão de Orfeu... Escuta, Apolo.
APOLO (também de dentro, bocejando)
Deixa-te estar, mulher...
CLIO
Acorda, homem! É o violão do teu filho que está tocando!
APOLO
Então não sei?
Ninguém como mulher para dizer as coisas...
CLIO
É mesmo. Foi você que ensinou ele...
Ele aprendeu, o meu Orfeu. Agora
Ninguém toca com ele. Ouve
Apolo, que beleza! que agonia!
Me dá uma vontade de chorar...
APOLO
Toca muito o meu filho.
Escuta só (dá risada). Até ofende a Deus
Tocar dessa maneira. Olha que acordes!
Quanta simplicidade! Sabes duma?
Me lembro dele quando, pequenino,
Ficava engatinhando no terreiro
Nuzinho como Deus o fez.
CLIO
Mas fica quieto, peste.É até pecado
Ficar falando com Orfeu tocando.
(A músíca, em acordes, desenrola-se solta, cada vez mais próxima. Já agora ritmos de samba começam a marcá-la, aqui e ali, ritmos saudosos que enchem a noite.)
ORFEU
Toda a música é minha, eu sou Orfeu!
Eu sou Orfeu... Mas quem sou eu? Eurídice...
Eurídice... Eurídice... Eurídice...
Nome que pede que se diga coisas
De amor: nome do meu amor, que o vento
Aprendeu para despetalar a flor
Nome da estrela sem nome... Eurídice...
CLIO
Orfeu? Que estás fazendo?
Estás falando sozinho, filho meu?
ORFEU
Mãe, ainda não dormiu?
CLIO
Mas que pergunta! Dormindo eu não estaria perguntando. Onde está com a cabeça,