PETICAO NEGRINHA
II- DAS PARTES
NEGRINHA, órfã, sete anos de idade, mulatinha escura, de cabelos ruços, nascida na senzala, filha da escava Cesária, residente e domiciliada pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos, na casa da patroa, por intermédio dos seus advogados legalmente constituídos, vem à presença de Vossa Excelência, propor a presente...
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS c/c PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS em face da DONA INÁCIA, patroa, viúva, gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, residente e domiciliada “em sua casa”, entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), mediante as razões de fato e de direito que passa a expor.
II- DOS FATOS
A Requerente é uma criança pobre, órfã, de sete anos de idade, sua mãe, escrava, faleceu quando ela tinha quatro anos de idade, e, desde então, a Requerente vive aos cuidados da Requerida, que era a patroa da sua mãe.
A Requerente era vítima de maus-tratos, sendo que, diariamente era atacada fisicamente e psicologicamente pela Requerida, que batiam-lhe sempre por ação ou omissão e a colocava de castigo imobilizado no canto por horas e horas, e assim cresceu a Requerente — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados.
A Requerida era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Entre os vários casos de tortura contra a Requerente, vale destacar a história do ovo. Uma criada nova furtara do prato da Requerente um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim, com isso, a Requerente não sofreou a revolta e atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias: Peste! A Requerida, sabendo disso, pegou um ovo, pô-lo na água a ferver e quando o ovo chegou ao ponto, chamou a Requerida, pediu que abrisse a boca e com uma colher tirou o