Pedro

3271 palavras 14 páginas
INTERTEXTUALIDADES1

OS BASTIDORES DO TEXTO

O escritor argentino Ricardo Piglia, em artigo dedicado à relação entre memória e tradição, reproduz a definição de um teórico russo, Sklovski, segundo o qual as musas são a tradição literária. Ao endossar tal postura, o escritor descarta o tradicional vínculo entre inspiração e escrita, contextualizando os empréstimos, por entender o ato criador como entrecruzamento de textos. Ao fazer referência à tradição, Piglia exclui as relações de propriedade pessoal do escritor frente à linguagem, uma vez que a memória cultural de cada um se compõe de citações, de lembranças e de esquecimentos. Se toda a memória do mundo nos abarca, a palavra, ao ser igualmente coletiva e anônima, distingue-se do sopro da inspiração, preceito por meio do qual se forma a ilusão de ser o produto literário um bem individual.
Nos dias atuais, torna-se duplamente difícil reconhecer seja o lugar da musa inspiradora, seja o do conceito de intertextualidade, uma vez que nossa cultura se acha marcada por traços impessoais e anônimos e pelo desaparecimento gradativo do sujeito. A diluição da figura do autor contribui ainda para a ampliação do espaço textual e discursivo, pois tanto a obra quanto o escritor participam do sistema coletivo de enunciação de saberes.
Diante dessa situação, como proceder à caracterização exaustiva e classificatória dos procedimentos retóricos vinculados à paródia, ao pastiche ou à paráfrase, quando os textos e as manifestações artísticas mais consagradas se mostram contaminados pela prática habitual da apropriação e do plágio? O que nos resta é a aceitação da face ambígua e multiforme de nossa produção cultural contemporânea, que, embora consciente dos valores da tradição que a forma, apresenta-se munida de um olhar que a diferencia das leituras já existentes. Por meio desse duplo movimento, consegue-se estabelecer um diálogo permanente entre os textos, que passam a receber o toque reativador da recepção de leitores

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