Pedro Golpes De Vista

Golpes de vista1
Pedro Rocha de Oliveira

Rio de Janeiro, sexta-feira, 26 de novembro de 2010. No transporte público, nos bancos de praça, nos restaurantes, pelas ruas onde há semáforo, asfalto, números nas casas, censo e água encanada, estava instaurada uma estranha comunidade. Os habitantes dessa cidade são indivíduos atômicos isolados, típicos da sociedade contemporânea barbarizada fundada na competição, perpetuamente cientes da precariedade das condições de sua existência, e agarrados com unhas e dentes nela. Desviam uns dos outros na calçada da Uruguaiana ou de Madureira, empurram-se nas portas do metrô para conseguir onde sentar, são entulhados como detritos nos trens superlotados, atacam-se detrás dos volantes, desreconhecem-se como gente. Trocam palavras com os demais habitantes para manifestar uma reclamação requentada na fila do banco que não anda, ou comentar sobre o tempo com aquela expressão constrangida usual que, no elevador do condomínio, significa o pedido de desculpa ao vizinho pela própria existência. Naquele dia, entretanto, o vizinho da Zona Sul não precisava de constrangimento, o desconhecido puxou assunto com o desconhecido no metrô, o transeunte com o outro enquanto o sinal não abria, todo cidadão de respeito conhecia o próximo. Quem saiu de casa foi convocado por aquela loquacidade unânime que reflete o verdadeiro entranhamento popular de uma matéria de pensamento e de um ponto de vista compartilhado, o que geralmente só acontece no Rio de Janeiro quando há jogos da Seleção, já que qualquer último resquício de sentimento de comunidade, nessa cidade como em toda parte, já foi desintegrado há décadas pelos antagonismos sociais do quotidiano no capitalismo tardio. Mas justamente esses antagonismos viravam, agora, princípio de socialização. Pois aquela matéria compartilhada socializante era um apelo assassino: "tem que matar" era o que estava na boca de todos, tornando-os velhos conhecidos pela primeira vez na vida. Como no caso dos jogos da