Ninguém fez nada
Aguardava sozinho no camarim a sua vez de se apresentar. Já havia escutado as exibições dos outros, motivo de vaias ou meios aplausos. Instrumentistas, atores, mágicos magricelos com barbas de mendigo, todos falharam em arrancar a admiração do público. Esfregava as mãos nervosas, imaginando se conseguiria se acalmar, se estaria pronto, se seria capaz de mostrar o seu talento na frente de toda aquela gente. Sentado, com sua gravata vermelha e paletó, tanto um quanto o outro de extremo bom gosto, olhava o espelho e refletia sobre sua trajetória. Depois de se formar pela UERJ em publicidade, foi trabalhar em uma pequena agência. Tinha a certeza de ter uma carreira sólida e um emprego digno, com carteira assinada, olhares de aprovação e tudo mais que uma profissão de verdade proporciona. Foi demitido após uma semana de trabalho. Infelizmente, o empreendimento estava começando a falir. Nada que pudesse fazer. Seu pensamento foi interrompido pelo mestre de cerimônias. Era a sua vez! Mas não havia sequer aquecido mentalmente... Rapidamente, pensou passo a passo no que deveria fazer uma vez que estivesse lá em cima. Estava pronto; e tremendo de medo. Controlou a respiração, levantou-se, subiu pelo acesso que dava no palco e nele entrou. Ele apareceu. A multidão de faces desconfiadas ficou em absoluto silêncio, mesmo quando seu nome fora anunciado, como se não esperassem nada demais depois das últimas apresentações. Ele se acalmou. Começava ali o seu espetáculo. Sentou-se no chão e olhou. Não olhou, porém, como quem olha casualmente uma paisagem magnífica pela janela, lembra-se que tem mais o que fazer e depois vai embora. Olhou como um profissional! A platéia, incapaz de acreditar no que estava vendo, explodiu em aplausos e gritos histéricos. A sua inércia perspicaz, o modo como não fazia nada em particular para ninguém específico, nem mesmo quando um pobre técnico de iluminação caiu da parte superior do palco e lhe pediu ajuda, levaram todos