Natureza
Duendes urbanos que se espalham pelos condomínios fechados, praças centrais, ribeirinhos que dividem espaço com criatórios do mosquito da dengue, os que se amontoam em apartamentos e até pensionistas que ocupam áreas centrais da cidade sofrem as mazelas das águas do já quase verão. Uma legião de cidadãos precarizados na qualidade de vida, subestimados pelo sistema, buscando a salvação para as amarguras metropolitanas na clausura dos shopping centers, em galpões da fé do dízimo mensal, capitalizada via alforge que dá vazão à goteira forjada na ignorância dos fiéis.
A cidade esvai-se na força da enxurrada fria, misturada em água, óleo, lixo e restos de construção civil, alimentada pelos milhares de artefatos plásticos jogados nos bueiros, pelos habitantes descompromissados com a questão ambiental do meio em que lutam pela sobrevivência na batalha diária e banalizada em busca de algum capital.
Nem Mary Poppins e seu guarda-chuva escapa da batalha desumana pela sobrevivência no terreno infértil e desordenado da cidade modernizada e violenta, moldada a asfalto e concreto. O número de imobilizados no trânsito retarda a inteligência da gestão e mobilidade da Capital. Alguns profetas mais evoluídos preveem que, pelo volume de água que cai, pródiga colheita de cogumelos se dará nos quintais dos ricos e dos remediados, dos trabalhadores periféricos e até mesmo daqueles seres quase humanos, os zumbis, que cultivam a dependência química nos canteiros centrais das avenidas principais. É assim a chuva e seu enorme poder de transformação. O verde vai ficando mais escuro, as árvores crescem os galhos, os loucos ficam ainda mais alucinados enquanto os mais depressivos procuram nas gavetas e debaixo da cama alguma substância química na qual possam se apoiar, antes de mais uma tentativa vã de suicídio, venha ele em forma concreta,