Narcisismo às avessas
Quando termina o espetáculo teatral ou circense e os espectadores vão embora, as máscaras são guardadas, vazias e ocas, sem o brilho dos olhos de quem as preenchia. É nesse momento que o homem por trás do palhaço, do rei ou do cavaleiro se olha no espelho e num avesso de narcisismo se pergunta, tal qual Drumond: “E agora, José? / A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu...”. Terrivelmente ciente de que não há mais expectativas de outrem que possam ser satisfeitas ou traídas, pelo menos até o início do próximo espetáculo quando a abertura das cortinas se der como espadas rasgando o muro protetor da solidão, o homem não sabe como agir diante dessa companhia tão pura e tão nua de máscaras que é ele mesmo, no espelho. Portador de uma condição tão diferente daquela que resultou da maldição de Amenio, a vontade é de fugir aos espelhos e lagos espelhados... mas tal qual Narciso o ator é alienado no discurso do outro e sabe que logo será esvaziado aquele sujeito do espelho, separado de seu corpo e dos clamores que ele lhe faz, para que o personagem seguinte (palhaço, rei, cavaleiro) o preencha novamente. O homem vive (sem saber) a metamorfose de que fala Ovídio.
Mas ele está só e ninguém pagaria para apreciar o homem e sua verdade. Aliás, até cobrariam para vê-lo e ouvi-lo na condição humana. Todavia, é ali que se dá o maior espetáculo, no insterstício em que nada se ouve no teatro do mundo: o choro, o riso e o olhar deflagrados pelas dores, esperanças e conflitos do homem dispensam as tintas, o plástico e as plumas da fantasia, pois o pobre José está representando a si mesmo e a todo homem, conseguindo assim conjugar idiossincrasia e universalidade.
Mas eis que alguém se aproxima. Os