Monteiro Lobato
CARLOS LOPES
Diante de algumas incríveis (devo dizer que não consegui outra palavra) reações por parte dos defensores da proscrição de “Caçadas de Pedrinho” - e, de resto, da obra de Monteiro Lobato - das bibliotecas escolares, ocorreu-nos que era inútil insistir no assunto. Coisas tão grosseiras, tão primárias, não parecem constituir matéria para discussão - tal como algumas arraigadas superstições. Como é possível convencer um sujeito que acredita na mula-sem-cabeça de que ela não existe?
No entanto, permanece a questão que verdadeiramente importa: jamais vamos ter um Brasil qualitativamente diferente, se aqueles que querem construir um país – e, portanto, um mundo - melhor não se apossarem daquilo que já foi chamado “o tesouro cultural da Humanidade”. A ignorância é a maior inimiga do progresso.
De resto, como negro (dizem que sou mulato, mas o que define um mulato é, obviamente, a herança negra), meu ponto de vista é que não vai existir um país qualitativamente diferente deste se os negros não assumirem a sua obra: o próprio Brasil. Combater a discriminação é exatamente não ficar num gueto, meramente queixando-se das injustiças.
Um amigo ressalta que Monteiro Lobato é autor de “Negrinha”, o mais terrível – e literariamente magnífico - conto sobre uma empregada doméstica desde “Varka”, de Tchecov. Como Varka, Negrinha é, a rigor, uma escrava ilegal, torturada pelos patrões (no conto brasileiro, pela patroa) que não reconhecem a sua humanidade. Mas, ao contrário da colega russa, ela não tem a mesma cor da patroa, e disso decorre a sua tragédia. Nem a um nome ela tem direito. No melhor dos casos, apenas o designativo da cor de sua pele:
“Que ideia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta