Monstrengo
O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa , Mensagem
Análise
Trata-se de um poema da II (segunda) parte – Mar Português – da Mensagem de Fernando Pessoa. Nesta segunda parte da obra abordam-se o esforço heróico na luta contra o mar e a ânsia pelo desconhecido, aqui a uma especial atenção aos navegadores que percorreram o mar há procura da imortalidade.
Em termos formais, verificamos que o poema é constituídos por três estrofes, de noves versos (nonas). A rima é emparelhada e cruzada, segundo o esquema aabaacdcd com um verso solto, que é aquele que transporta em si um grande simbolismo pelo que é referida três vezes - «El-Rei D. João Segundo!» -.
O tema desta composição poética é do Cabo da Esperança que foi dobrado pela primeira vez em 1488 pelo navegador português Bartolomeu Dias, que consta que foi avistado depois de vários dias em que os marinheiro sofreram violentas tempestades, e que Bartolomeu Dias lhe pôs o nome de Cabo das Tormentas, mas que rei D. João II ordenou mudar o nome para