Miguel Torga - Teia de aranha
CURSO PROFISSIONAL TAS13 – ANO LETIVO 2013/2014
Teia de aranha
O tempo em S. Cristóvão anda devagar. As terras são cascalho puro, de maneira que é preciso dar prazo às raízes para roerem o granito até fazerem de uma areia um grão de cevada ou de centeio. Um ano, ali, são trezentos e sessenta e cinco dias bem medidos. E as pessoas que lá moram, afeitas a horas longas, têm uma paciência de relojoeiro, cheia de mil cálculos e de mil ponderações.
Exactamente como nas leiras, onde a gente vê semanas a fio o mesmo pé de milho parado, meditativo, enigmático, a aloirar encobertamente a sua espiga, assim nos homens mais pasmados, mais lentos e mais metidos consigo, anda às vezes uma resolução secreta a criar e a amadurecer. E saem obras tão perfeitas destas meditações, tão acabadas na concepção e na forma, que só o dedo da providência, porque aponta do céu,, é capaz de lhes evidenciar os defeitos de fabrico. Mas mesmo assim são às vezes precisos anos para que Deus descubra a fenda do cântaro. Tal é a perfeição dos artífices de S. Cristóvão!
No caso do tio do Artur, a façanha foi de pura prestidigitação. Na altura exacta em que o rapaz, trabalhador e zeloso como sempre., murava o lameiro da ribeira, o velho sumiu-se como por encanto. Viram-no à noitinha ir buscar a jumenta ao monte da relva e trazer-lhe depois feno do palheiro da Chá, mas daí por diante os seus passos apagaram-se sem deixar rasto. Essa noite, embora de Agosto, foi escura e comprida, a condizer com a manha e a perseverança do lugarejo. E nela nem se ouviram gemidos., nem passos suspeitos, nem uivo de cão, nem pio de coruja. Nada. Ao cantar do galo, quando a aldeia acordou, havia no ambiente a mesma calma serenidade do dia anterior. As mulheres acenderam o lume e fizeram o caldo, os pedreiros, na obra do Arturj, assentaram os alicerces do novo troço