Metalúrgicos de lisboa
Indústria e democracia: os operários metalúrgicos de Lisboa (1880-1934) **
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, antes de se ser metalúrgico, era-se caldeireiro ou serralheiro. Quando aplicado aos operários oitocentistas que trabalhavam o ferro, o termo metalúrgico é, em rigor, anacrónico. Os metalúrgicos formavam, e viam-se a si próprios como formando, um grupo heterogéneo. A sua identificação fundamental era com o ofício. Só com a criação, em 1919, do Sindicato Único Metalúrgico de Lisboa conseguiram superar as barreiras do corporativismo tradicional. Para o período anterior, e para efeitos do presente estudo, considerei todavia metalúrgico todo aquele que ganhava a vida nos ofícios que, na década de 1890, se unem na Confederação Metalúrgica, isto é, serralheiros, fundidores, maquinistas fluviais, caldeireiros, pregueiros e fogueiros. Estudar os metalúrgicos é difícil. A indústria é muito diversificada, o seu desenvolvimento complexo, a tecnologia sofisticada. Optei por uma dupla limitação: centrei este estudo na fracção mais moderna da classe e, tanto quanto possível, limitei-o a Lisboa1. Dada a extrema variedade de situações dentro do sector, pareceu-me que esta escolha se justificava. Noutras monografias analisei um grupo de operários habitando uma vila monindustrial (os vidreiros da Marinha Grande) e trabalhadores qualificados pertencendo a uma indústria tradicional (os chapeleiros)2. Ainda dentro deste mundo «aristocrático», faltava estudar um grupo relativamente privilegiado, urbano, trabalhando numa indústria moderna. Escolhi os metalúrgicos de Lisboa. Três aspectos me interessam em particular: a forma como estes operários reagiram ao desenvolvimento da indústria, a sua organização e lutas e, por fim, a sua relação com o sistema formal de representação política3.
* GIS/Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Instituto Superior de Ciências