Memoria da cidade
Sobre a Memória das Cidades
A valorização do passado das cidades é uma característica comum às sociedades deste final de milênio. No Brasil, esta tendência é inédita e reflete uma mudança significativa nos valores e atitudes sociais até agora predominantes. Depois de um longo período em que só se cultuava o que era novo, um período que resultou num ataque constante e sistemático às heranças vindas de tempos antigos, eis que atualmente o cotidiano urbano brasileiro vê-se invadido por discursos e projetos que pregam a restauração, a preservação ou a revalorização dos mais diversos vestígios do passado. A valorização do passado, ou do que sobrou dele na paisagem ou nas "instituições de memória" (museus, arquivos, bibliotecas, etc.) (Nora, 1984), se dá hoje de forma generalizada no mundo, refletindo a emergência de uma nova relação identitária entre os homens e as mulheres do final do século XX e os conjuntos espaciais que lhes dão ancoragem no planeta, sejam eles os estados-nações, as regiões ou os lugares.
Para Le Goff, a valorização atual do passado tem muito a ver com o fim da era de otimismo ilimitado no futuro, iniciada com o Iluminismo. Com efeito, foi a partir da Ilustração que as sociedades ocidentais passaram a redirecionar a sua visão de mundo, antes orientada para a "grandeza" e a "majestade" do passado, transferindo seu foco de atenção para o "futuro", para o "progresso". Olhar com reverência para o passado passou a ser visto, a partir de então, como sinônimo de saudosismo ou como atitude tipicamente reacionária, uma associação de ideias que só tendeu a ampliar o seu escopo com o tempo. Era para o futuro, e não para o passado, que as sociedades deveriam olhar!
Trata-se de um importante momento de mudança, que não se compreende ainda muito bem, e que vem dando margem ao aparecimento de reflexões teóricas de peso, todas elas buscando concatenar pistas que permitam decifrá-lo. Diferentes em suas análises, essas reflexões são unânimes ao