Mauss
A teoria da dádiva foi sistematizada por Mauss num ensaio clássico intitulado Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, publicado inicialmente no ano de 1924. Neste ensaio, apoiando-se nas colaborações de etnólogos e antropólogos, ele procurou demonstrar que os fenômenos do Estado e do mercado não são universais, não há, segundo ele, evidências da presença dos mesmos nas sociedades tradicionais, mas, apenas, em sociedades mais complexas como as modernas. Este sistema, que se expande ou se retrai a partir de uma tríplice obrigação coletiva de doação, de recebimento e devolução de bens simbólicos e materiais, é conhecido como dom ou dádiva, a obrigação do dom aparece necessariamente como um fenômeno total, atravessando a totalidade da vida social na medida em que tudo aquilo que participa da vida humana, sejam bens materiais ou simples gestos, tem relevância para a produção da sociedade. A compreensão da dádiva como o sistema de trocas básico da vida social permite romper com o modelo típico da modernidade, pelo qual a sociedade ou seria fruto de uma ação planificadora do Estado ou do movimento fluente do mercado. É importante, porém, registrar que o reconhecimento da dádiva como um sistema de obrigações paradoxais, considerado como básico para a criação do vínculo social, não significa que estamos automaticamente vinculando o dom e a democracia. Existem dádivas e dádivas. Para sermos rigorosos, do ponto de vista histórico percebemos que os sistemas de dádivas predominantes (dádiva agonística, dádiva sacrificial, dádiva amical, dádiva caritativa, dádiva clientelista) não fundam experiências democráticas mas hierárquicas e verticalizadas. Por outro lado, se o sistema da dádiva não tem, tradicionalmente, compromisso com a invenção da democracia (e com os