mastigando humanos
O gosto dos subterrâneos foi o que me tornou incapaz de sentir qualquer outra coisa. Vocês sabem, quando se está mergulhado em excessos, não se pode estimular papilas individualmente. É como tentar pedir para tirar cebolas de um hambúrguer de fast-food, ou reconhecer cada fruta que forma o sabor genérico de tutti-frutti. Todos esses tóxicos que saem pelos canos, toda essa comida industrializada tiveram um efeito ainda maior na minha cabeça do que no meu paladar — e hoje sinto que tenho várias faculdades mentais prejudicadas. Mas, provavelmente, muitas outras evoluídas. Afinal, se não houvesse passado pelo que eu passei, não haveria graça em contar a minha história. Não seria novidade nenhuma, mais um jacaré alimentando-se de capivaras. Com a boca aberta sob o sol. Palitando os dentes com passarinhos. Ah, seria uma aventura bucólica que eu nem teria capacidade de organizar em sentenças, pontuadas, se minhas funções mentais não tivessem sido alteradas.
É o preço que a gente paga, não é? Para ficar na história, ficar numa história, contar uma história e ter do que se orgulhar. Orgulhar-se do que se conta, do que importa, da nossa história, mesmo que ela, enquanto acontecesse, não fosse tão doce, tão simples, tão bela. O tempo suaviza, esses produtos químicos amaciam a carne, a mente corroída se lembra